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Story Publication logo March 20, 2025

‘Beauty Chip’ and ‘Juice To Get Hot’: Why Are Anabolic Steroids a Risk? (Portuguese)

Country:

Author:
The Dirty Science Driving Anabolic
English
SECTIONS

An English summary of this report is below. The original report, published in Portuguese in AzMina, follows.

The steroids oxandrolone and gestrinone are used to increase muscle mass and are popular on social media, often referred to by such slang words as “beauty chip” and “juice.”

The growing use of anabolic steroids in Brazil has raised concern because of their serious side effects. Social media influencers often encourage women to use them, but don't explain the risks, which include permanent body changes, increased aggression, and addiction.


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‘Chip da beleza’ e ‘suco pra ficar gostosa’: por que anabolizantes são um risco?

Em alta nas redes sociais, as substâncias oxandrolona e gestrinona têm efeitos colaterais que vão muito além dos estéticos

  • A oxandrolona e a gestrinona são usadas para aumento de massa muscular e estão em alta nas redes sociais, sendo muitas vezes disfarçadas por gírias como “chip da beleza” e “suco”, mas essas substâncias não são seguras;
  • O uso crescente de anabolizantes tem gerado preocupações por causa dos seus efeitos colaterais graves: psicológicos, virilizantes e cardíacos. Influenciadores incentivam que mulheres usem, mas não explicam os riscos;
  • Mudanças permanentes no corpo, aumento da agressividade e dependência são algumas das consequências dos anabolizantes, além de maior risco de morte prematura e aumento de mortes não naturais entre os usuários.

A febre dos anabolizantes entre as mulheres. Vídeo por AzMina.

Aos 20 anos, a curitibana Isabelle Gai decidiu participar de campeonatos de fisiculturismo. Ela já fazia academia e dieta, mas achava que precisava ir além para ganhar mais massa muscular. Foi então que alguém, que ela descreve como “aquele famoso João da academia”, lhe indicou a oxandrolona.

A oxandrolona (comprimido manipulado) e a gestrinona (presente em implantes hormonais subcutâneos manipulados) são listadas como esteroides anabolizantes androgênicos. Esteroides anabolizantes androgênicos são substâncias similares à testosterona que tem como objetivo ganho de massa e força muscular. Ambos são proibidos pelo Código Mundial Antidoping.

Popular nas redes sociais – só no TikTok são mais de 11 mil vídeos com a hashtag #oxandrolona. E, para disfarçar o que realmente são: esteroides anabolizantes, muitas gírias acabam sendo utilizadas nesse ambiente virtual: chip da beleza, danone, suco, veneno, bomba… E aí viram vários memes, algo que tem efeitos colaterais graves. 

Isabelle pesquisou um pouco sobre os esteroides, conversou com algumas pessoas, mas admite que colocou o “carro na frente dos bois”. “O que me disseram foi: ‘Se você quiser subir lá em cima (nos palcos dos campeonatos de fisiculturismo), vai ter que utilizar’, e aí, comecei”, conta.

Hoje, com 28 anos de idade, Isabelle é nutricionista e publicou dois vídeos sobre sua experiência com oxandrolona no TikTok, destacando os efeitos colaterais psicológicos e estéticos. É um conteúdo crítico, bastante dissonante do que costuma ser publicado na rede social, onde a substância tem uma legião de defensores. Entre os que apoiam o uso na plataforma, destacam-se mulheres de coxas volumosas e médicos sem registro de especialista em endocrinologia no CFM, o Conselho Federal de Medicina.

AUMENTO VERTIGINOSO DO USO

Os quatro médicos, três endocrinologistas e uma ginecologista, ouvidos para esta reportagem, foram unânimes sobre o aumento vertiginoso do uso de esteroides anabolizantes androgênicos. Eles relatam que nunca receberam tantos pacientes em seus consultórios para tratar danos, incluindo mulheres. Como há carência de dados oficiais sobre o tema, em especial sobre os problemas causados por essas substâncias, foi criada a VigiCom, uma plataforma para sistematizar os casos relacionados ao uso de esteroides anabolizantes.

Embora os dados da plataforma não tenham caráter científico, eles ajudam a fazer a chamada farmacovigilância – identificação, avaliação, compreensão e prevenção de efeitos adversos ou problemas associados ao uso de medicamentos – à qual tudo o que é fabricado pela indústria farmacêutica é submetido.

“Como estamos lidando com isso diariamente no consultório e em hospitais, começamos a notificar os casos para ter dados de vida real. Os próprios médicos informam casos e complicações”, explica Luciana de Oliveira, endocrinologista que ajudou a desenvolver a plataforma.

As sociedades médicas têm feito um trabalho muito grande nos últimos anos para tentar conscientizar a população, aponta Luciana. Há também um trabalho de advocacy junto ao Ministério da Saúde e à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para explicar os riscos dessa prática crescente no Brasil.


Imagem por AzMina.

FARMÁCIAS DE MANIPULAÇÃO

Tanto as cápsulas de oxandrolona quanto os implantes hormonais com gestrinona, estrategicamente denominados chip da beleza, são produzidos pelas farmácias de manipulação. A oxandrolona, por exemplo, não faz parte da farmacopeia no Brasil, a “bíblia” dos farmacêuticos que registra todos os medicamentos disponíveis no país.

De acordo com a Anvisa, cerca de 20 farmácias manipulam implantes hormonais no país. A fiscalização dessas farmácias é realizada principalmente por Estados e municípios e, em alguns casos, pela própria agência, que faz essa inspeção desde 2022. Por serem manipulados, as fórmulas e os hormônios podem variar e não há um controle de qualidade como existe na indústria farmacêutica.

Por meio da assessoria, a Anvisa informou que não há proibição quanto à manipulação da oxandrolona, desde que prescrita por profissional habilitado, com retenção da receita. Para a agência, a substância segue com a mesma indicação terapêutica e via de administração aprovadas à época de seu registro, nos anos 1990, expirado em 2005, e desde então nunca renovado por nenhuma farmacêutica.  

“Se fosse uma medicação boa, a indústria estaria produzindo até hoje. É um androgênio, um derivado sintético, com todos os efeitos da testosterona, que pode parecer menos ruim e mais prática porque é via oral, mas o risco é maior que qualquer benefício”, esclarece Clayton Macedo, endocrinologista que se tornou uma das principais vozes contra o uso de esteroides anabolizantes no país.

No Reino Unido, esteroides anabolizantes androgênicos são considerados droga classe C. Lá, fabricar, importar, exportar, fornecer ou vender é crime, e pode ser punido com multa e até 14 anos de prisão. O porte para consumo próprio não é criminalizado.

DESINFORMAÇÃO NAS REDES

No passado, a oxandrolona foi receitada por endócrinos a adolescentes com retardo na puberdade. Estudos realizados há mais de duas décadas também a aplicaram no tratamento de pacientes com queimaduras graves e em pessoas com problemas severos de perda de massa muscular, como idosos, portadores de HIV ou câncer.

“No caso de um grande queimado, há estudo mostrando que, com a oxandrolona, o paciente em vez de ficar 20 dias internado na UTI, fica 18, mas não sabemos sobre desfecho a longo prazo”, detalha Clayton. O médico indica ainda que para o paciente que perdeu muito músculo, já não levanta da cama, um anabolizante pode ser usado como uma terapia de exceção. Embora seja uma alternativa para casos específicos, Clayton considera que o risco continua sendo maior que o benefício.

A balança pende para o lado dos benefícios quando a questão é a redesignação de pessoas trans. “Há uma situação clínica que gera suicídio, violência, depressão uma série de coisas, né? Aí tem centros de referência, tem protocolo, tem mil equipes trabalhando, então é uma outra coisa. Mas eles usam ‘para trans vocês dão, mas daí para o jovem, pra quem quer por estética não’. Sim, a situação gera tanto sofrimento se não trata que o benefício é maior do que o risco”, explica Clayton.

Nas redes sociais, esses estudos são propagados como evidência dos benefícios da substância. O endocrinologista descreve que quem prescreve no ambiente virtual pega os estudos feitos em situações específicas, nas quais o paciente precisava de um agente anabolizante, e os transportam para uma mulher de 30 anos. “Muita gente não complica porque é saudável, aguenta o tranco, mas se é alguém com problema ou predisposição, vai complicar”, afirma Clayton.

Partidários da oxandrolona no TikTok se valem até de estratagemas semânticos para defender o uso, como afirmar que não se trata de hormônio e, portanto, ela seria mais segura, o que não procede. “As substâncias semelhantes à testosterona são esteroides anabolizantes com capacidade de aumentar a massa muscular e a força. E elas só causam esse efeito de forma significativa, se doses muito altas forem utilizadas, o que também induz os efeitos colaterais”, afirma a coordenadora do ambulatório de Endocrinologia do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a endocrinologista Andrea Fioretti.

BAIXA TESTOSTERONA É NORMAL EM MULHER

Outro falso argumento bastante comum para o uso de esteroides anabolizantes por mulheres seria uma suposta deficiência hormonal. A verdade é que a mulher tem níveis baixos de testosterona e um exame de avaliação só deveria ser solicitado na suspeita de testosterona elevada, não para buscar valores baixos, como explica a endocrinologista Luciana de Oliveira. “Isso é a base de tudo: as mulheres fazem esses exames, veem que o hormônio está baixo e ficam preocupadas, mas não é natural a mulher ter níveis elevados de testosterona no sangue.”

A ginecologista Natalia Tavares Gomes ressalta que a única possibilidade de indicação de testosterona para a mulher é na pós-menopausa, depois que a menstruação já cessou por mais de um ano, para tratar desejo sexual hipoativo. É quando a mulher tem uma queixa importante da diminuição de libido e de orgasmos. “Ainda assim, temos que excluir outras causas, por exemplo, financeiras ou psicológicas, já que a saúde mental pode também impactar na função sexual”. Só depois dessa avaliação é que a testosterona deve ser prescrita, em dose muito pequena e por tempo curto, até seis meses.

Natália conta que atendeu uma mulher que estava fazendo uso de oxandrolona e de testosterona. A ginecologista perguntou por que havia sido prescrito, já que a paciente não estava sequer na menopausa. “Ela me disse que o médico havia perguntado se ela estava cansada, como a resposta tinha sido sim, ele receitou. E ela não foi informada nem sobre os riscos e efeitos dessas medicações”. Esse tipo de substância, detalha Natália, tem sido receitada sem investigação prévia do estilo de vida das pacientes. Alimentação ruim, sedentarismo ou alteração de sono decorrente de apneia podem influenciar nesse quesito.

Se a queixa é cansaço, deve-se investigar e melhorar o estilo de vida. “Muitos colegas têm prescrito hormônios como se fosse a salvação, o que nos causa preocupação, espanto e indignação. Se for prescrever para quem está cansado, então vai ter que prescrever para quase toda a população mundial”, afirma ela.

IMPACTOS NO CORPO

Se os efeitos no shape são evidentes – especialmente o ganho de músculo -, tem outros impactos no corpo que, muitas vezes, são silenciosos, e mais perigosos. Na lógica da estética e do culto ao corpo, os efeitos colaterais mais temidos da testosterona e de seus derivados são os virilizantes, como crescimento de pelos, incluindo barba e bigode, queda de cabelo, acne grave, engrossamento da voz e aumento de clitoris – os dois últimos são irreversíveis. 

“O coração, por exemplo, é um grande músculo, quem usa anabolizante promove uma alteração muito séria no coração”, lembra a endocrinologista Andrea Fioretti. E essas substâncias são metabolizadas pelo fígado, por isso quem toma pode desenvolver peliose hepática, quando o fígado fica cheio de lacunas de sangue. “Há ainda um aumento das enzimas do fígado e risco de tumores”, alerta a médica.  

Outro efeito colateral muito grave acontece no cérebro. Segundo Andrea, a testosterona – e consequentemente todos os esteroides anabolizantes – causa uma alteração cerebral que é uma atrofia do córtex, responsável pela cognição, e um aumento de uma área que é associada à drogadição, termo que designa os vícios bioquímicos.

TESTOSTERONA E SAÚDE MENTAL

Por conta dos efeitos no cérebro, a usuária (ou usuário) entra em um looping de repetição de ciclos, períodos de uso contínuo dos anabolizantes, que variam em torno de 12 a 16 semanas. Esses ciclos vão sendo refeitos ao longo do tempo, em um processo semelhante a qualquer vício em drogas. Além disso, existem receptores de testosterona no cérebro, o que induz um comportamento mais impulsivo e mais agressivo. 

Embora faltem estudos específicos para mulheres, uma pesquisa realizada na Dinamarca durante 11 anos monitorou mais de mil homens usuários de esteroides e os comparou com quase 60 mil homens que não faziam uso, o chamado grupo controle. O estudo mostrou que a taxa de mortalidade por causas naturais entre os usuários de anabolizantes foi 2,81 vezes maior do que entre os não-usuários. E em relação às mortes não naturais, como acidentes, crimes violentos e suicídios, a diferença foi ainda mais acentuada: 3,64 vezes maior entre os usuários de esteroides. 

Isabelle Gai fez ciclos em dois momentos, aos 20 e aos 24 anos, e sentiu uma grande diferença ao interromper o uso, com sensação de desânimo e perda de força. “Os (efeitos) colaterais psicológicos, para mim, foram ainda mais graves que os estéticos. Sempre digo que o corpo de quem usa anabolizante é alugado. Quando você para, perde tudo.”

Dentro da lógica perversa das redes sociais, o interesse pelo conteúdo de Isabelle era maior quando ela estava sob efeito da oxandrolona. “Postava muito sobre treinos e a questão estética, do corpo. Ainda não era formada e já tinha lista de espera de pessoas para eu atendê-las, um dos motivos com certeza era essa exposição”, relatou a nutricionista.

A DISTORÇÃO ONLINE

A influenciadora Raquel Bressanini, de 27 anos, tem 125 mil seguidores no Instagram e um corpo musculoso natural, construído com muita dedicação aos treinos e alimentação correta. Ela acredita que seu percentual de gordura esteja em 17%, comparável ao de atletas profissionais, mesmo assim ela se sente pressionada pelo que vê nas redes – a mesma pressão que acaba direcionando muitas pessoas para os esteroides anabolizantes.

“A rede social distorce nossos parâmetros sobre o que é possível, até porque a maioria dos corpos que aparecem lá usa drogas”, fala Raquel. Ela narra sobre um perfil que a impactou no Instagram: um cara muito musculoso, que, segundo ela, visivelmente treinava há muito tempo e sem anabolizante. “Tinha um monte de comentário do tipo: ‘Se usasse bomba, já estava três vezes maior’. O cara era realmente grande, mas as pessoas perderam a mão”, opina Raquel. 

De vez em quando, Raquel se olha no espelho e fala: “Queria ser maior. Queria que minha perna fosse maior, meu ombro fosse maior”. E ela já pensou várias vezes em usar anabolizantes, só não usa porque diz ser muito medrosa e tem orgulho dos seus exames e de o corpo estar intacto. 

A influenciadora cursa Educação Física na Universidade de São Paulo e pretende seguir para o mestrado na área de treinamento de força. Para Raquel, muitas pessoas que buscam os  esteroides anabolizantes sabem dos seus efeitos colaterais. “Elas acreditam que uma redução de danos vai resolver tudo, ou então estão dispostas a pagar o preço.” 

Os efeitos colaterais mais divulgados e temidos são os visíveis, mas não se dá importância para os que deveriam ser os mais preocupantes, como a saúde cardíaca ou o aumento de colesterol, cita Raquel. “Se a voz não engrossar e o cabelo não cair, é lucro”, ironiza.


*Este conteúdo como parte de um programa de combate à desinformação em ciência. Também fazem parte desse projeto o podcast Ciência Suja, Veja Saúde, Núcleo Jornalismo e Olá, Ciência.

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