Da seca à inundação: Montevideo
A vida das trabalhadoras domésticas de Montevidéu pode ser afetada pelo impacto das mudanças climáticas e da variabilidade climática. Está em riscom um fator fundamental para alcançar níveis mínimos de bem-estar e reduzir a vulnerabilidade: a mobilidade.
Quando chove em Montevidéu, algumas pessoas saem para trabalhar como de costume, enquanto outras precisam mudar suas rotinas para fazer o que sempre fazem. O local de residência é uma característica sociodemográfica que determina diferenças na atividade diária dos habitantes. A infraestrutura de transporte e a mobilidade afetam diretamente o mundo do trabalho doméstico remunerado, que representa 10,2% das mulheres empregadas, de acordo com dados do Banco de Previsão Social (BPS). Cerca de 99% das pessoas que realizam esse trabalho são mulheres. O meio de transporte predominante para as empregadas domésticas de Montevidéu é o ônibus: diante de cenários de chuvas intensas e inundações, não é a mesma coisa viajar a partir do oeste, centro, sul ou nordeste da capital do Uruguai.
Diego Hernández, doutor em Estudos Urbanos e professor titular do Departamento de Ciências Sociais da UCU, afirma que, em termos de mobilidade, a desigualdade pode ser definida, em primeiro nível, por "quantas etapas você precisa fazer, quanto tempo leva para viajarr". Ele acrescenta indicadores mais complexos: em que condições - por exemplo, em relação a gênero e assédio - ocorre o deslocamento, ou o que gera obstáculos no deslocamento, como o estado das calçadas e a insegurança.
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O Sistema de Transporte Metropolitano oferece a opção de combinar linhas - inclusive entre ônibus urbanos e suburbanos - para completar a rota necessária, pagando apenas uma passagem. Por causa disso e pelas características próprias de Montevidéu, "o problema não é se alguém pode chegar ao ponto onde deseja, mas em que condições isso acontece", observa Cecilia Rossel, socióloga e professora titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Católica. "A questão é como essas condições negativas se acumulam com outras condições de vulnerabilidade e as consequências que isso traz. Parece que está tudo bem quando na realidade o sistema é relativamente precário em certos setores sociais. Por enquanto, funciona, mas diante de qualquer situação [adversa], ele se desmantela".
"As condições de trabalho das empregadas domésticas são muito precárias", afirma Cecilia Rossel, socióloga e professora titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Católica. "Devido às características de vulnerabilidade das empregadas domésticas e às condições e exigências do trabalho doméstico, no qual você não pode chegar atrasado, qualquer evento pode fazer as coisas darem errado", explica Rossel.
A socióloga Laura Marrero, consultora do PNUD referente a gênero na Direção Nacional de Mudanças Climáticas, falou em A cidade submersa sobre os aspectos que definem a vulnerabilidade: "Não é a mesma coisa quandouma inundação atinge uma casa precária, construída com material descartado, que possivelmente destruirá a habitação, do que quando atingeum prédio na rambla de Pocitos ou uma casa em boas condições em Carrasco".
O mesmo ocorre com a mobilidade. "Muitas vezes, as moradias não são afetadas, mas as pessoas ficam impossibilitadas de transitar em sua rotina diária. Se seu meio de transporte é a pé, de bicicleta ou de moto, você terá um impacto diferente se sua mobilidade depender de um veículo grande".
Diante das mudanças climáticas, da variabilidade climática e sem políticas públicas adequadas, as rotas de ônibus para ir trabalhar do oeste ao sul de Montevidéu serão afetadas em menos de 80 anos.
Desviar as rotas de ônibus devido a áreas inundadas aumentará o tempo de viagem ou forçará as trabalhadoras a fazerem mais conexões para chegar ao trabalho a tempo. No entanto, como concordam os pesquisadores Rossel e Hernández, é preciso pensar no problema além do ambiente de trabalho, já que qualquer tipo de viagem é relevante.
A acessibilidade territorial afeta a qualidade de vida dos residentes de Montevidéu. Se as inundações projetadas reconfigurarem as rotas das linhas de ônibus da capital, isso afetará a dificuldade de acesso a serviços básicos. Se o tempo de viagem de ida e volta de uma empregada doméstica se complicar e aumentar, quem cuidará dos filhos das trabalhadoras, quem cuidará dos idosos que moram com elas, quanto isso afetará a saúde da família e os próprios exames médicos delas?
Como afirma o pesquisador Diego Hernández: "O transporte em sinão resolve as fraturas sociais nem resolve a integração, mas pode ser muito relevante para definir em situações de vulnerabilidade se o indivíduo cai ou não cai".
Por: Miguel Ángel Dobrich e Gabriel Farías.
Dados geoespaciais: Natalie Aubet e Nahuel Lamas.
Edição: Victoria Melián. Tradução: Diogo Rodriguez.
Fotos: Matilde Campodónico. Design: Antar Kuri.
Visualização de dados: Fernando Becerra.