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Reportagem Publication logo Maio 17, 2023

Comitê de crise investiga atentado a cacique Tembé em região da ‘guerra do dendê’

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More than 50 Guajajara people have been killed in Maranhão, with none of the suspects ever going on...

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Lúcio Tembé, cacique da aldeia Turé-Mariquita no Pará. Foto cortesia de Paratê Tembé. Brasil, 2023.


Mongabay Series: Agronegócio na AmazôniaDesmatamento ilegal na AmazôniaÓleo de palma no mundo

  • Na madrugada de 14 de maio, o cacique Lúcio Tembé foi baleado na cabeça por pistoleiros em uma estrada no Pará, denunciam líderes indígenas.
  • Esse é o mais recente episódio de violência em uma área onde eclodiram conflitos de terra entre a maior produtora de óleo de palma do país e comunidades locais, a chamada “guerra do dendê”, conforme reportado pela Mongabay desde outubro.
  • O Ministério Público Federal levantou a possibilidade de o crime estar relacionado a conflitos com empresas de óleo de palma na região e solicitou medidas urgentes da Polícia Federal e da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup), tendo em vista o intenso nível de conflituoso da região.
  • Em 16 de maio, foi anunciado um comitê de crise para conter a escalada da violência na região; o crime está sendo investigado pela Polícia Federal e pela Delegacia de Quatro Bocas, que solicita que qualquer informação relevante seja encaminhada via Disque-Denúncia, pelo número 181, com sigilo garantido.

Um comitê de crise vai investigar a tentativa de assassinato contra o cacique Lúcio Tembé em uma área do Pará que ficou conhecida pela “guerra do dendê” devido à eclosão de ocorrências de violência sistemática contra ativistas sem a devida punição.

Na madrugada de domingo, o cacique da aldeia Turé da Terra Indígena (TI) Turé-Mariquita foi alvejado por dois pistoleiros quando ele e outro indígena tentavam desatolar o carro em uma estrada de terra, quando voltavam da cidade de Quatro Bocas para a TI, segundo líderes indígenas, intensificando o clamor por justiça na região.

Queila Tembé, sobrinha de Lúcio Tembé, relatou à Mongabay os detalhes do crime que o indígena que acompanhava seu tio compartilhou com o povo Tembé. “Nesse momento que ele estava parado, chegaram esses dois meliantes encapuzados, [iluminaram] com uma lanterna e dispararam o tiro em direção à cabeça dele”, disse Queila Tembé em uma mensagem de áudio. “Aí o indígena parceiro dele pulou pela frente para tentar salvá-lo. Só que imagina assim: que eles pensaram que como pegou na cabeça dele, que ele tinha morrido. Então pegaram a moto e seguiram em direção à aldeia”.

Ela disse que soube do crime por meio de telefonemas de parentes e que eles foram juntos ao local, onde confirmaram a veracidade do fato. “Me senti muito triste e ao mesmo tempo tempo indignada com o acontecido. A reação da família é de muita revolta”. Lúcio Tembé está internado em um Centro de Terapia Intensiva (CTI) na região metropolitana de Belém; sua situação de saúde é estável e ele aguarda ser submetido a uma cirurgia, prevista para 20 de maio, segundo a sobrinha.

“Ele está tomando medicamentos para diminuir o inchaço do rosto, [pois] fraturou o maxilar e estourou os tímpanos do lado direito”, disse à Mongabay Miriam Tembé, prima do cacique, que pede que a justiça acabe com a impunidade na região. “Nós estamos angustiados e pedimos socorro, pedimos que à justiça nos dê resposta, por que tanta impunidade, as violências acontecendo, os ataques contra nós e nada está sendo feito por parte da justiça”.

“Nosso sentimento é de revolta e de injustiça. Não vemos por parte do estado e órgãos competentes nenhum apoio em nosso favor”, disse Miriam Tembé, que é presidente da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará, em mensagem de texto. “Tanta violência contra nós povos tradicionais e a justiça não age. Será que mais vidas teremos que perder para que algo seja feito?”.

Em comunicado por e-mail, a Polícia Federal informou que abriu inquérito para investigar o crime e que uma equipe foi enviada ao local para fazer um levantamento inicial, atendendo à solicitação do Ministério Público Federal (MPF). O MPF convocou uma reunião de emergência com diversas autoridades do Pará para 15 de maio; a criação de um comitê de crise para conter a escalada de conflitos na região foi anunciada no dia 16.

Esse é o mais recente episódio de violência em uma área onde eclodiram conflitos fundiários entre a maior produtora de óleo de palma do país e comunidades locais, a chamada “guerra do dendê”, conforme reportado pela Mongabay desde outubro.

Desde 2021, a Mongabay tem publicado investigações com denúncias de grilagem de terraviolênciacontaminação da água por agrotóxicos e outros crimes ambientais atribuídos a empresas de óleo de palma no Pará.

Especificamente na região da Turé-Mariquita, a Mongabay publicou uma investigação de 18 meses que revelou evidências de contaminação da água pelo uso de agrotóxicos pela Biopalma — adqurida pela Brasil Biofuels (BBF) em 2020 — o que impactou não apenas o povo Tembé da Turé-Mariquita, mas também em outras terras indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos e pequenos agricultores. A investigação também revelou outras questões desencadeadas pelo cultivo do palma na região: poluição do solo, desmatamento, escassez de peixes e caça, juntamente com questões de saúde e conflitos sociais e fundiários.

Lúcio Tembé foi nosso guia e fonte-chave para a investigação. “O dendê trouxe só muitos problemas pra nós. Primeiro, trouxe destruição da nossa fauna, da nossa flora, dos nossos rios”, disse Lúcio Tembé em uma entrevista em 2019 enquanto olhava para o Rio Turé. “Essa água não serve. De primeira, nós bebíamos. Esse rio aqui era o mercado de toda a população, onde eles pescavam, a mata onde caçavam".

O cacique nos disse que o povo Tembé não foi devidamente consultado antes da instalação do empreendimento de óleo de palma da Biopalma. “Não fomos ouvidos para a construção desse projeto; quando a gente viu, o projeto já estava instaurado em torno do nosso território”.


Foto cortesia de Mongabay. Brasil, 2023.

Durante a reportagem de campo na região no final de 2019, a equipe da Mongabay escapou por pouco de um assalto ao ser perseguida por homens em duas motocicletas em alta velocidade no mesmo caminho em que Lúcio Tembé foi baleado em 14 de maio, enquanto voltava da Turé-Mariquita para Quatro Bocas à noite.

A investigação da Mongabay foi chave para o MPF obter uma decisão judicial para provar os impactos ambientais dos agrotóxicos usados nas plantações de palma para comunidades indígenas do Pará. A investigação ganhou o segundo lugar no prêmio na Sociedade de Jornalistas Ambientais dos Estados Unidos (SEJ) por excelência em reportagem investigativa e o terceiro lugar no prêmio do Fetisov Awards por excelência em jornalismo ambiental.

O óleo de palma, monocultura sinônimo de desmatamento e conflitos no Sudeste Asiático, está se expandindo na Amazônia, onde os mesmos problemas estão ocorrendo. Povos indígenas e comunidades tradicionais afirmam que plantações próximas a seus territórios estão poluindo a água, contaminando o solo e provocando a escassez de peixes e animais de caça. Vídeo cortesia de Mongabay. Brasil, 2023.

Conflitos ligados ao dendê

Os conflitos entre as comunidades locais e as empresas de óleo de palma na região de Tomé-Açu remontam a uma década. Em novembro de 2015, ocorreu a primeira grande mobilização de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e moradores de comunidades vizinhas contra as empresas de óleo de palma. Cerca de 140 pessoas se reuniram e ocuparam a Fazenda Vera Cruz da Biopalma, paralisando a empresa por 11 dias. Lúcio Tembé foi um dos líderes da ocupação. Um líder quilombola foi preso por oito meses; o cacique também foi detido.

Porém, a violência aumentou na região após a venda da Biopalma à BBF, afirmam os líderes indígenas e as autoridades, que dizem que os acordos anteriores entre a Biopalma e as comunidades não estão sendo honrados pela BBF. Há também disputas de terra sobre áreas reivindicadas por ambos os lados.

A situação piorou ainda mais desde setembro de 2022, com a escalada da violência desencadeada por disputas de terras entre a BBF, de um lado, e as comunidades indígenas e quilombolas de outro. Enquanto as comunidades argumentam que a BBF ocupou indevidamente suas terras ancestrais e acusam a empresa de usar seguranças privados para ataques violentos contra as comunidades, a empresa nega as acusações, dizendo que foram as comunidades locais que atacaram seus funcionários. Como resultado, a BBF registrou mais de 750 boletins de ocorrência desde 2021 contra eles por “roubo, furtos, incêndios criminosos, tentativas de estupro, agressões de trabalhadores, tentativas de homicídio, disparos de armas de fogo, entre outros”, a empresa disse à Mongabay no final de abril, quando foi contatada sobre um conflito com quilombolas.

Como previamente reportado pela Mongabay, o MPF está investigando a ação de milícias armadas e empresas de segurança privada na região, além de denúncias de crimes e irregularidades contra as empresas de óleo de palma.

Em comunicado à imprensa em 14 de maio, o MPF disse que “é possível que esse seja mais um episódio de violência que os indígenas Tembé de Tomé-Açu estão sofrendo por causa de conflito com empresas produtoras de dendê na região, o que impõe a atuação dos órgãos federais, tendo em vista que a disputa envolve direitos coletivos dos povos indígenas”.

A BBF não respondeu ao pedido de resposta da Mongabay sobre as acusações sobre seu eventual envolvimento no atentado a Lúcio Tembé.

O MPF informou que solicitou medidas urgentes à Polícia Federal e à Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) para esclarecer a tentativa de assassinato contra o cacique. “Requer-se à autoridade policial federal a atribuição de caráter de urgência e prioridade ao cumprimento das atuais e futuras medidas investigativas no inquérito policial em questão, tendo em vista o intenso nível de conflituosidade da região do nordeste paraense, com riscos concretos à vida e à integridade física dos indígenas”, escreveu no requerimento o procurador-chefe do MPF no estado, Felipe de Moura Palha.

Em uma declaração por e-mail, a Segup disse que as equipes da Polícia Civil e da Polícia Militar atuaram na ocorrência contra Lúcio Tembé e que o caso é investigado pela Delegacia de Quatro Bocas: “No momento, diligências são realizadas com objetivo de coletar todos os vestígios e provas que possam contribuir para a elucidação do crime, com a identificação dos responsáveis. Informações que auxiliem nas investigações podem ser repassadas via Disque-Denúncia, número 181. O sigilo é garantido”.


Os líderes indígenas Uhu Tembé e Lúcio Tembé ao lado dos tratores apreendidos da empresa de óleo de palma Biopalma. O maquinário foi usado para derrubar dendezeiros a poucos metros da aldeia Indígena Yriwar, na Terra Indígena Tembé, em novembro de 2019. Foto de Karla Mendes/Mongabay.

‘Basta’

“Para o MPF, basta”, Palha, o procurador-chefe do Pará, disse na reunião, de acordo com um comunicado à imprensa de 16 de maio. “É mais um triste episódio de grave violação de direitos humanos na Amazônia. Todo processo de implantação de grandes projetos precisa ser revisto e levar em consideração os direitos das comunidades tradicionais que são vilipendiados diariamente”. Com relação à tentativa de assassinato do cacique Lúcio Tembé, Palha disse que “ainda é muito cedo para apontar os culpados”, mas o MPF “acompanhará de perto as investigações”.

Em um vídeo-manifesto, o líder indígena Paratê Tembé, filho de Lúcio Tembé, disse muito emocionado: “A gente só pede justiça para que isso não venha a continuar acontecendo, tanto na nossa região quanto no Brasil todo, o massacre dos povos indígenas. Nós pedimos intervenção do estado pela vida do nosso povo”.

“Nós queremos proteger a floresta e salvar nossas vidas. Salvar a vida dos nossos guerreiros, das nossas lideranças, dos nossos caciques, das nossas crianças, que correm risco”, disse ele no vídeo divulgado em 15 de maio. “Não existe árvore em pé se nós não estivermos vivos”, acrescentou Paratê Tembé. “Nós queremos salvar nossas vidas também”.

Paratê Tembé relembrou décadas de assassinatos de líderes indígenas, quilombolas e ribeirinhos sem que ninguém fosse preso. “Denúncias a gente faz a todos e ninguém faz nada. Só tem sensibilidade quando morre alguém ou quando tem tentativa de homicídio”.

Relembrando os detalhes do crime, ele disse que seu pai sobreviveu “por um milagre”. “Estamos rezando e continuamos rezando para que ele sobreviva à cirurgia. Tupã vai nos ajudar. [A gente] não teve nem tempo de chorar” disse ele em lágrimas. “Precisamos, precisamos de proteção”.

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