Frota ajuda a forjar novas rotas comerciais, reivindicar territórios e aumentar a influência do país.
WASHINGTON — Durante a maior parte do século 20, a pesca em águas distantes foi dominada por três países: União Soviética, Japão e Espanha. Essas frotas encolheram tanto após o colapso soviético, em 1989, quanto à medida que os padrões trabalhistas e ambientais ficaram mais altos, encarecendo a participação competitiva do Japão e de países europeus no mercado internacional de frutos do mar.
Durante esse período, contudo, a China investiu bilhões de dólares em sua frota e aproveitou as novas tecnologias para forçar sua entrada na indústria. O país asiático também buscou fortalecer sua autonomia no campo construindo suas próprias fábricas de processamento, instalações frigoríficas e portos pesqueiros no exterior.
Como uma organização jornalística sem fins lucrativos, dependemos de seu apoio para financiar o jornalismo que cobre assuntos marginalizados em todo o mundo. Doe qualquer quantia hoje para se tornar um Campeão Pulitzer Center e receba benefícios exclusivos!
Esses esforços começaram em 1985, quando a Empresa Nacional de Pesca Chinesa (CNFC Overseas Fishery, em inglês) despachou 13 traineiras com uma tripulação de 223 homens para trabalhar na costa da Guiné-Bissau, na África Ocidental.
O sucesso desses esforços superou quaisquer previsões. Hoje, a estatal CNFC é a maior empresa de pesca em águas distantes do mundo. A organização possui mais de 250 barcos de pesca e navios de reabastecimento, pelo menos seis fábricas de processamento de frutos do mar ou armazéns frigoríficos, e mais de 15 navios frigoríficos, ou "reefers", que transportam a pesca de volta ao continente.
A China se tornou indiscutivelmente uma superpotência global de frutos do mar. Em 2020, o país capturou mais de 2.200 toneladas de frutos do mar. Nenhum outro país chega perto de tais cifras.
O domínio de Pequim na área se deu em um momento em que o apetite mundial por mariscos nunca foi tão grande. Os frutos do mar são a última grande fonte mundial de proteína selvagem, além de uma forma importante de sustento para boa parte do planeta.
Nos últimos 50 anos, o consumo global de frutos do mar aumentou mais de cinco vezes, e a indústria, liderada pela China, satisfez esse apetite por meio de avanços tecnológicos em refrigeração, eficiência de motores, resistência de cascos e sistemas de radar. A navegação via satélite também revolucionou o tempo de permanência das embarcações pesqueiras no mar e as distâncias que elas conseguem percorrer. Houve tantos avanços tecnológicos na pesca industrial que atualmente ela se assemelha mais a uma ciência do que a uma arte, e seu sistema, mais com o da colheita do que com a caça.
A competição requer conhecimento e enormes reservas de capital que o Japão e os países europeus não conseguiram fornecer nas últimas décadas. Mas a China tem tido ambos, juntamente com uma vontade feroz de competir e vencer.
O gigante asiático aumentou o tamanho de sua frota sobretudo por meio de subsídios estatais. Em 2018, estes atingiram US$ 7 bilhões (R$ 34 bilhões) anuais, tornando o país o maior fornecedor mundial de subsídios para a pesca.
A maior parte deste investimento foi empregada em despesas como combustível e custeio de novos barcos. Oceanógrafos consideram os subsídios prejudiciais, uma vez que ao aumentar o tamanho ou a eficiência das frotas pesqueiras, eles ajudam a esgotar ainda mais as já reduzidas quantidades de peixes existentes. Segundo Enric Sala, diretor do projeto Pristine Seas, da National Geographic, mais da metade da pesca que ocorre em alto mar no mundo não seria lucrativa sem subsídios.
A China também fortalece sua frota por meio de apoio logístico, segurança e serviços de inteligência. Ela envia a cada semana, por exemplo, um relatório digital para os seus navios de pesca de lula com atualizações sobre o tamanho e a localização das principais colônias da espécie do mundo. Isso ajuda os navios a decidir quando e onde pescar e, muitas vezes, significa que as embarcações trabalham de maneira coordenada.
Em julho de 2022, um repórter do The Outlaw Ocean seguiu um grupo de cerca de 260 navios pesqueiros chineses que estavam navegando em um trecho do mar a 630 km do arquipélago de Galápagos. Em um determinado momento, o jornalista observou que, de repente e de maneira quase simultânea, a maior parte da frota levantou as âncoras e se deslocou cerca de 212 km para o sudeste.
"Esse tipo de coordenação não é comum," diz Ted Schmitt, diretor da Skylight, programa de monitoramento marítimo. "Navios pesqueiros da maioria dos outros países não trabalham juntos nessa escala."
Analistas políticos, principalmente do Ocidente, dizem que ter apenas um país controlando um recurso global tão valioso quanto os frutos do mar cria um desequilíbrio de poder. Pesquisadores marinhos e conservacionistas também temem que a expansão do alcance marítimo da China comprometa a segurança alimentar global, o que corroeria o direito internacional e aumentaria tensões militares.
"Muitos países estão envolvidos em práticas pesqueiras destrutivas, mas a China se destaca pelo tamanho de sua frota e porque a utiliza com ambições geopolíticas," afirma Ian Ralby, diretor executivo da I.R. Consilium, uma consultoria internacional especializada em segurança marítima.
"Ninguém tem o mesmo nível de propriedade estatal neste setor, ninguém mais tem uma lei que obriga seus navios de pesca a coletar e entregar ativamente informações ao governo, e ninguém mais está invadindo as águas de outros países de maneira tão ativa."
Para a China, essa vasta armada tem um valor que vai muito além da simples manutenção de seu status de superpotência do mar. Ela também colabora para o país criar empregos, ganhar dinheiro e alimentar sua classe média crescente.
No exterior, a frota ajuda a forjar novas rotas comerciais, demonstrar o poder político chinês, reivindicar territórios e aumentar a influência política chinesa sobre os países em desenvolvimento.
Ralby diz que, por meio de sua frota pesqueira de águas distantes, a China se esforça para estabelecer uma espécie de soberania sobre as águas internacionais. Para isso, ela se apoia em um conceito jurídico chamado "possessão adversa", que, de maneira similar ao "usucapião", concede direitos de propriedade a qualquer um que ocupe e controle uma área por um período determinado pela lei.
A assinatura recente por 193 países de um tratado de biodiversidade em alto mar, que visa proteger 30% dos oceanos do mundo, não deve alterar o curso das ações de Pequim."
A China provavelmente acredita que, com o tempo, a presença de sua frota pesqueira em águas distantes vai se transformar em algum grau de controle soberano sobre essas águas e seus recursos", afirma Ralby. "Uma vez que 70% da Terra é coberta de água, o esforço de qualquer Estado para estabelecer direitos e interesses sobre os bens comuns globais deveria ser uma preocupação."