É um fim de tarde de fevereiro, e três jovens sentam-se no convés de um velho barco com tinta branca descascada ancorado ao longo do Rio Puruê, no município de Japurá (AM), próximo à fronteira com a Colômbia. Amarrada ao barco está uma estrutura maltratada, semelhante a um celeiro, que abriga um emaranhado de rampas e engrenagens e é montada em uma balsa. Esta é uma draga de mineração, uma das dezenas ao longo deste rio estreito e sinuoso. Ilegais e destrutivas, elas agitam o leito do rio, produzindo dezenas de milhões de dólares em ouro todos os meses. Esta draga, no entanto, está desativada, aguardando reparos.
Repórteres do Amazon Underworld estão conversando com os mineradores na draga, quando pouco antes do pôr do sol, o silêncio é quebrado pelo som de um poderoso motor de popa, quando um barco menor para. Um homem fardado, usando uma balaclava e portando um fuzil entra na balsa. Ele e cinco companheiros embarcam no barco dos garimpeiros. Identificando-se como uma patrulha fluvial da Polícia Militar do Amazonas, eles revistam os mineradores, ordenam que preparem uma refeição para eles e se instalam para passar a noite.
Enquanto os policiais devoram os pratos de almôndegas enlatadas com molho de tomate e farinha de mandioca, o dono da draga chega. Um homem conhecido como Cabeludo, apelido tirado dos cabelos grisalhos que amarra em um rabo de cavalo. Para o garimpeiros, o barco e a draga são tanto o seu negócio como a casa que vive com a sua mulher, com um bebê de poucos meses de idade, um cozinheiro e oito trabalhadores.
Ele parece não se importar com os intrusos fardados, mesmo quando um deles pega um telefone celular e mostra uma foto que recebeu em um grupo do WhatsApp. É um cadáver. Poucas horas antes, diz ele, o proprietário de uma draga havia sido assassinado, supostamente por um de seus trabalhadores, que fugiu para a floresta.
“Ele levou meio quilo de ouro com ele”, diz um dos policiais.
Extorsão, corrupção e violência
Antes da década de 1990, a maior parte do garimpo nesta região, onde o Rio Puré da Colômbia se torna o Rio Puruê do Brasil e flui para o Japurá, foi feita por garimpeiros de pequena escala. Mas com o aumento dos preços do ouro no início dos anos 2000, grupos do crime organizado perceberam uma grande oportunidade nesta rentável indústria, incluindo guerrilheiros colombianos que viam o garimpo como uma forma de lavar os lucros do tráfico de drogas.
Após um acordo de paz de 2016 entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), um grupo guerrilheiro dissidente começou a financiar sua violência armada através da construção de um novo empreendimento criminoso que consistia em extorquir os mineradores ilegais com o que chamaram de “contribuições voluntárias”.
Há algum tempo, o Exército Brasileiro enfrentou guerrilheiros no Rio Puruê, recorda Getúlio*, um garimpeiro de São Paulo que opera uma draga de escala industrial – cerca de seis vezes o tamanho da draga do Cabeludo.
Clique aqui para ver o gráfico interativo "As dragas mineiras deixam uma grande pegada ambiental gráfico interativo.
Enquanto Getúlio toma um gole de café fresco, milhares de galões de água lamacenta descem por uma calha de metal atrás dele. O minerador possui duas dragas gigantes, que podem produzir quilos de ouro por mês, superando as dezenas de gramas produzidas por estruturas semelhantes menores como a de Cabeludo, que são conhecidas como balsas. Ele sabe que isso faz dele um alvo.
“A guerrilha se instalou aqui dentro do rio, cobrando imposto dos garimpeiros”, diz Getúlio. Ele mostra um recibo que diz que ele fez uma “contribuição voluntária” de 40 gramas de ouro. O pequeno pedaço de papel, que estampa uma foto do lendário comandante das FARC Mono Jojoy, atesta que o ouro foi pago para a “Comissão Miller Perdomo”, pertencente a um grupo dissidente encabeçado por um líder da guerrilha conhecido como Iván Mordisco.
No começo, os guerrilheiros coletavam 20 gramas de ouro por mês, mas logo começaram a exigir 20 gramas por semana.
“Eles usavam ameaças e intimidações para cobrar o imposto. Os garimpeiros advertiram os guerrilheiros de que o Exército estava vindo para tirar eles daqui”, acrescenta.
Em 2021, o Exército Brasileiro conseguiu retirar os guerrilheiros da maior parte do Rio Puruê. “Houve um confronto aqui”, diz Getúlio. “O Exército e a Marinha do Brasil ficaram três meses aqui dentro do Rio Puruê”.
As autoridades brasileiras não falaram sobre a operação. Em um comunicado oficial da época, a Polícia Federal informa que nove pessoas foram presas, incluindo “dois dissidentes de um grupo guerrilheiro estrangeiro”, e as autoridades apreenderam um quilo de ouro, dinheiro, armas, munições, mercúrio e pasta base de cocaína.
Em abril de 2023, ocorreu um confronto na região, entre dissidentes das FARC e indivíduos armados não identificados, resultando na morte de vários guerrilheiros. Apesar das tentativas, há dois anos, de eliminar a presença da guerrilha colombiana, esse incidente recente demonstra que a presença de grupos armados persiste. No entanto, um grupo armado diferente – dessa vez pertencente ao Estado – surgiu no lado brasileiro para se beneficiar das operações ilícitas.
Em fevereiro, quando o Amazon Underworld visitou o rio Puruê, os garimpeiros afirmaram que pagavam a policiais militares 30 gramas de ouro por draga, mensalmente, para proteção, e outra quantia de até 50 gramas ao prefeito de Japurá. Getúlio disse que os pagamentos faziam parte de um acordo no qual os garimpeiros pagavam por um barco e combustível para a polícia patrulhar o rio e a área de mineração. “Eu ajudo as forças de segurança para que elas também me ajudem”, disse ele.
Em resposta enviada por e-mail às perguntas sobre as acusações, o secretário de administração e coordenação municipal de Japurá, Renilton dos Santos Solarth, as chamou de “boatos fantasiosos e ausentes de veracidade.” Ele disse que o município não recebeu relatos de funcionários públicos recebendo ouro ilegalmente.
Já a Polícia Militar respondeu que realizou operações para investigar a pirataria, resultando na prisão de vários infratores, incluindo policiais militares. Eles não responderam às perguntas sobre alegações de que PMs extorquiam pagamentos em ouro de garimpeiros ilegais.
Garimpeiros dizem que pagam PMs por proteção
Mineradores contam que policiais regularmente patrulham o Rio Puruê em barcos com motores de popa potentes, parando em dragas e recolhendo ouro. Segundo os garimpeiros:
Em resposta enviada por e-mail, um funcionário municipal negou as acusações. A Polícia Militar disse que uma investigação de acusações de pirataria resultou em várias prisões, incluindo policiais militares, mas não respondeu perguntas sobre a alegação de extorsão de garimpeiros.
Além de guerrilheiros e policiais corruptos, outra ameaça são os bandos de piratas fortemente armados que também percorrem os rios, especialmente em busca de garimpeiros, bem como barcos que transportam cocaína e maconha da Colômbia. Getúlio diz que uma vez perdeu 130 gramas de ouro e jóias de sua esposa para sete piratas armados no Rio Japurá. “Eles atiraram de longe, mas o fogo não acertou a canoa”, diz. “Eles nos alcançaram, nos renderam, perguntaram pelo ouro”.
Garimpeiros e pilotos de barcos locais alegam que alguns dos piratas são policiais — “mais piratas do que os próprios piratas”, diz um barqueiro experiente no município de Japurá. Em julho de 2022, cinco policiais militares foram detidos e suspensos pelo crime de pirataria. A Diretoria de Justiça e Disciplina da Polícia Militar do estado do Amazonas abriu uma investigação sobre o caso somente nove meses depois, após o Amazon Underworld pedir posicionamento sobre o assunto.
Dano ambiental ‘irreversível’
Em ambos os lados da fronteira Colômbia-Brasil, onde o Rio Puré se torna o Rio Puruê, as áreas reservadas para proteger as florestas — e as pessoas que nelas vivem — estão ameaçadas pela mineração ilegal no rio. Do lado do Brasil, o Puruê está sob a jurisdição do Governo do Estado do Amazonas e do Exército Brasileiro, enquanto o Rio Juami, um ponto de garimpo próximo, está dentro da Estação Ecológica Juami-Japurá, uma área protegida e administrada pelo governo federal.
Para além das dragas que operam impunemente ao longo dos rios, em alguns locais os garimpeiros entram na floresta com equipamentos pesados, ameaçando transformar a paisagem tropical numa paisagem lunar desprovida de vegetação e repleta de crateras cheias de água. Os cálculos da Amazon Conservation Team, entidade sem fins lucrativos que tem um escritório em Brasília, indicam que cerca de 1.000 hectares de floresta (equivalente a 1.000 campos de futebol) foram destruídos pela exploração mineira ilegal ao longo do Rio Puruê. Mais da metade desse desmatamento ocorreu em 2022.
“Houve um abandono geral da região nos últimos anos, o que facilitou a entrada de todos os tipos de criminosos, como piratas fluviais, traficantes de drogas e garimpeiros”, diz Joel Araújo, diretor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) no Amazonas. “A violência cresceu muito e a criminalidade tomou o lugar do Estado, cooptando jovens e comunidades inteiras ao longo dos rios.”
Durante o governo Bolsonaro, os principais órgãos ambientais do país foram chefiados por policiais que desmantelaram a infraestrutura e fecharam postos de controle, incluindo um próximo à Estação Ecológica Juami-Japurá. Este posto ainda estava fechado em junho, seis meses depois que Bolsonaro deixou o cargo, mas funcionários do governo disseram que planejavam reabri-lo.
No lado colombiano da fronteira, o governo perdeu o controle sobre o Rio Puré depois que dissidentes das FARC ordenaram que os guardas florestais abandonassem o Parque Nacional Puré em 2020. “Por causa das ameaças impostas pela existência das FARC, os guardas florestais não conseguem proteger os parques”, diz a diretora do parque, Eliana Martínez Rueda, acrescentando que os guerrilheiros fizeram novas ameaças e restrições em janeiro de 2023.
O Parque Nacional Puré foi criado, em parte, para proteger o Yurí-Passé, um grupo indígena seminômade que evita o contato com pessoas de fora. Mas com o desaparecimento dos guardas florestais, as dragas começaram a invadir a área e a mineração ilegal continua lá. A marinha, o exército e a polícia colombianos não responderam aos pedidos de informação.
Os traficantes usam os rios do parque e existem pistas de pouso clandestinas na região, diz Martínez. Mineradores ilegais também atravessam a fronteira do Brasil para o parque. “Já é uma terra de ninguém”, acrescenta, “e eles entram facilmente na Colômbia.”
Ela tem medo que os Yurí-Passé, uma pequena tribo, possa ser aniquilada pela violência ou pela doença se for contactada por grupos armados ou garimpeiros. “É um risco para a saúde, porque [pessoas de fora] podem trazer doenças pelas quais [os Yurí-Passé] não desenvolveram imunidade”, diz ela.
“Os governos não têm controle ou autoridade, por isso muitas destas áreas remotas permitiram que grupos de mineradores e outras máfias ilegais prosperassem, especialmente em regiões transfronteiriças”, diz Brian Hettler, geógrafo e cartógrafo da equipe do Amazon Conservation Team. “O dano ambiental causado pelo garimpo ilegal é, em grande parte, irreversível”, acrescenta.
Os sedimentos agitados pelos garimpeiros alteram o curso dos rios, e o mercúrio usado pelos garimpeiros se acumula nos tecidos dos peixes e dos animais que se alimentam deles, inclusive nos seres humanos. Alguns peixes amazônicos percorrem longas distâncias, portanto, peixes com altos níveis de mercúrio, que causam problemas digestivos e neurológicos, podem afetar pessoas distantes das áreas de mineração, inclusive grupos isolados como os Yuri-Passé.
Um estudo de 2018 realizado em amostras de cabelo retiradas de povos indígenas na Amazônia colombiana, perto da fronteira brasileira, descobriu que cerca de 90% dos membros da comunidade tinham níveis de mercúrio que excediam o limite máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – em alguns casos em até quatro vezes.
Altos riscos e grandes lucros
Estimativas da produção de ouro em uma draga de escala industrial no Rio Puruê no Brasil variam muito, mas cálculos conservadores calculam que elas possam produzir entre 2,5 a 3kg (5,5 a 6,6 libras) por mês. Para entrar na economia legal, o ouro ilegal passa por uma rede complexa de transportadores, intermediários, lojas de ouro e comerciantes.
Nas dragas, os proprietários derretem seu ouro em barras. Eles, os seus empregados e outros nas áreas de exploração de ouro, incluindo os trabalhadores do sexo, que também são pagos em ouro, viajam periodicamente para Japurá e Tefé para transformar o metal precioso em dinheiro. Em uma região que não tem rodovias, as pessoas viajam de barco – um alvo constante para os piratas.
A rota do tráfico de ouro
O ouro extraído nos rios Juami e Puruê é levado até Manaus e portos do litoral atlântico para sair aos mercados internacionais.
Um policial militar que pediu anonimato afirma que escolta remessas de ouro extraído ilegalmente em voos privados de Japurá até cidades como Porto Velho, Boa Vista e Manaus, onde os compradores recebem o metal sem perguntar sobre sua origem.
“O transporte é simples. Todos os dias, saem voos de Japurá e levamos, com segurança, o ouro do dono da draga, ‘ouro grande’ como chamamos, para vender na capital que tiver o melhor preço”, diz ele. O aeroporto de Japurá tem autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) para lidar apenas com voos privados. Os contrabandistas enfrentam um maior risco de detecção quando aterrissam em aeroportos de maior dimensão, onde há maior fiscalização.
O policial militar, que é de uma família numerosa e pobre, vê o garimpo como uma solução para a pobreza na região. “É ilegal, mas não imoral”, diz ele. “Deveria ser legalizado, porque agora [os garimpeiros] não pagam impostos e o dinheiro não fica com a população do Amazonas. Acaba por ir para o estrangeiro”.
A R$ 270 o grama, o preço em Japurá, um proprietário de draga ou contrabandista pode estar carregando, em seu bolso, o valor de um apartamento de classe média em Manaus
Antes de o ouro sair da Amazônia, ele geralmente é derretido e moldado em barras retangulares que pesam 1 kg (2,2 libras) cada e podem caber na mão de um adulto. A R$ 270 o grama, o preço médio em Japurá, um proprietário de draga ou contrabandista pode estar carregando, em seu bolso, o valor de um apartamento de classe média em Manaus.
Mesmo que operações repressivas destruam uma draga, a atividade ainda pode ser lucrativa. De acordo com os garimpeiros, construir uma grande draga na região de Japurá custa de R$ 2,5 milhões a R$ 3 milhões, uma quantia que o proprietário de uma draga altamente produtiva pode recuperar em poucos meses.
Para os envolvidos, a recompensa potencial vale o risco, e as enormes quantias de dinheiro envolvidas reforçam a dificuldade de controlar a mineração ilegal que se estendeu por toda a Amazônia.
Ouro ilegal vendido de ‘boa fé’
Além de policiais corruptos, os proprietários de dragas e seus representantes também transportam e compram ouro do rio Puruê e Juami e revendem a comerciantes de ouro independentes, cooperativas de mineração e comerciantes de Valores Mobiliários autorizados pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários.
Os compradores de ouro não são obrigados a verificar a origem do ouro. Eles só precisam fornecer uma declaração de “boa fé” de que o metal foi extraído de uma área autorizada pela Agência Nacional de Mineração. O ouro pode, então, ser vendido. Em maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a presunção de “boa fé” e ordenou que o governo adotasse, em até 90 dias, um novo conjunto de regras para controlar o comércio de ouro.
A falta de regulamentação torna o comércio de ouro uma forma atrativa para os grupos criminosos lavarem os lucros do tráfico de drogas e de outras atividades ilegais.
Em 2022, como resultado de uma investigação da Polícia Federal sobre o ouro ilegal extraído por dragas na Amazônia, 18 pessoas foram presas e mais de R$ 5 bilhões de bens foram bloqueados.
A operação, denominada Aerogold, constatou que o esquema de comércio do ouro na região de Japurá envolvia uma cadeia de, pelo menos, 100 pessoas que recebiam o ouro e o inseriam na economia legal, para que pudesse ser vendido ou exportado. Eles, então, utilizam vários tipos de comércios para lavar os lucros da exploração ilegal. Uma nova fase da investigação da Aerogold está em curso.
Repressão diexa futuro incerto
Durante anos, os garimpeiros donos dragas, como Getúlio, viveram em mundos diferentes, deslocando-se entre a Amazônia, grandes cidades do litoral brasileiro e destinos internacionais como Miami. “É a vida de um garimpeiro,” ele diz. “Já faz 35 anos, com um retorno financeiro que compensa para alguém que sabe aproveitar seu trabalho e seu dinheiro.”
Em fevereiro, no entanto, ele já estava vislumbrando um futuro incerto caso o governo cumprisse a promessa do presidente Lula de retirar os mineradores dos rios amazônicos. “Já estamos trabalhando este ano, tentando ganhar algum dinheiro, porque, se isso acontecer, deixaremos de ser garimpeiros”, disse.
Durante a última semana de maio, os temores do Getúlio se tornaram mais reais quando o Ibama, apoiado por diferentes forças de segurança, liderou uma operação e alega ter destruído mais de 50 dragas ao longo do rio Puruê. Alguns vídeos que circulam entre os garimpeiros mostram dragas em chamas, enquanto em outros, os restos de carcaças de dragas ardem enquanto os garimpeiros tentam apagar as chamas com baldes de água.
Muito mais dragas, no entanto, foram contadas ao longo do rio durante a visita do Amazon Underworld três meses antes. Além disso, em imagens de satélite dos dias anteriores à operação do Ibama, pode-se ver as água dos rios Puruê e Juami escura – a cor natural dos rios -, em vez de barrenta, como fica com os sedimentos agitados pelas dragas. Aliado a comentários de garimpeiros na época da operação, isso indica que as dragas haviam parado de operar antes da chegada das equipes do governo.
Mas a interrupção do garimpo não durou muito. Um mês depois, os trabalhos já estavam totalmente reativados. Os rios estavam lamacentos novamente e, durante sobrevoos no início de julho, a equipe do Amazon Underworld contou 159 dragas no Rio Puruê, do lado brasileiro, e nove no Puré, do lado colombiano.
No início de julho, também, a mídia brasileira noticiou que um tenente-coronel do Exército havia supostamente vazado informações para garimpeiros na região de Japurá, recebendo cerca de R$ 1 milhão, entre 2020 e 2022, em troca de informações sobre operações planejadas para a região. O militar às vezes adiava essas intervenções ou alterava as rotas das operações, pois os garimpeiros indicavam que precisavam de um aviso prévio de quatro dias para esconder suas dragas.
‘A única maneira de ganhar um bom dinheiro’
IllA mineração ilegal é um ímã para homens de comunidades pobres na Amazônia, onde há uma baixa escolaridade e poucas opções de emprego. No estado do Amazonas, a renda média familiar é menor do que um salário mínimo. A perspectiva de um futuro econômico melhor leva os trabalhadores a deixarem as suas famílias durante meses para trabalharem numa draga, onde são pagos em ouro.
“Eu gosto de ter um carro e moto e desfrutar de uma Heineken em um bom restaurante”, diz um minerador. “Eu trabalhei duro para isso — não é para me exibir. Se você tivesse oportunidade, faria o mesmo. Não nos julgue. É a única maneira de ganhar um bom dinheiro aqui”.
Muitas das enormes dragas industriais são, ao mesmo tempo, casa e local de trabalho, com o maquinário preenchendo o andar inferior e alojamentos no de cima, que ostentam confortos urbanos como televisão, internet de alta velocidade e câmeras de vigilância. Vivendo em dragas por meses a fio, os garimpeiros dão toques de casa às estruturas, mantendo animais de estimação, cuidando de pequenas hortas de alface e cebolinha e criando galinhas para alimentação. Os cozinheiros fazem pão fresco e mantêm os trabalhadores abastecidos com jarras de café adoçado.
Um engradado de Coca-Cola custa um grama [de ouro], uma caixa de frango custa dois gramas. Tudo é assim. Um pacote de salsichas é um grama. Tudo é caro, muito caro
Cabeludo
Em fevereiro, vários meses antes da operação do Ibama, o futuro parecia incerto para os garimpeiros de subsistência, como Cabeludo, que compartilha o rio Puruê com Getúlio. No entanto, em meio a essa incerteza predominante, o proprietário da balsa estava ocupado principalmente com as tarefas cotidianas.
Cabeludo quer dar ao seu filho um futuro melhor e uma vida diferente. “Eu não quero isso para mim ou para ele”, disse ele em fevereiro. “Sofri muito aqui. As pessoas estão cansadas, as pessoas estão com fome. O meu congelador não está congelando. Eu uso a água da chuva e do rio para tomar banho.”
A vida no Rio Puruê não é barata. Os produtos percorrem grandes distâncias e o transporte fluvial exige muito combustível caro. E tudo tem preço em ouro.
“Um engradado de Coca-Cola custa um grama, uma caixa de frango custa dois gramas. Tudo é assim. Um pacote de salsichas é um grama”, disse Cabeludo. “Você pode encontrar três cervejas por um grama, mas às vezes é uma por uma. Tudo é caro, muito caro.”
Descalço e sem camisa, ele ria enquanto lutava com seu cão em busca de atenção, Xangai, e martelava um pedaço de tapete para tapar uma rachadura em sua balsa. Então, ele ficou sério. Além de guerrilheiros e piratas, ele também teme uma operação iminente do Governo Lula.
Ele gostaria que o governo pudesse ajudar a formalizar sua operação, em vez de reprimi-la. “Esperamos que eles cuidem dos garimpeiros”, disse ele. “Não lhes custaria nada legalizar [a mineração] para que pudéssemos pagar impostos. Isso seria fácil. Seria uma maneira de cuidar de nós aqui também, de ter pena dos pobres.”
A pequena balsa, com o seu equipamento de dragagem, era tudo o que ele tinha. Se um ataque acontecer, ele disse: “É isso para mim. Não sobreviverei fora da mineração. Não vou mesmo.”
*O nome foi alterado a pedido do entrevistado