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Reportagem Publication logo Dezembro 30, 2022

Solução Para Levar Luz e Rede de Esgoto a Amazônia Está na Própria Floresta

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Electricity wires spread across a landscape with a pink sky
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O estado do Pará é o lar do lugar onde há menos pessoas com acesso à eletricidade no Brasil.

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Lamparina improvisada na casa de Jadilene de Melo Ferreira em Breves, na Ilha do Marajó. Imagem por Juliana Faddul/UOL. Brasil, 2023.

Conservar a comida no sal, não possuir telefone celular, viver à luz de lamparina, depender de chuva para poder tomar água. Esta ainda é a realidade de parte significativa dos brasileiros que moram na região da Amazônia Legal (área que corresponde a 59% do território brasileiro e engloba a totalidade de oito estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) e parte do Maranhão.

Segundo levantamento do Ministério de Minas e Energia, foram mapeados pelo programa federal Mais Luz Para Amazônia (uma espécie de Luz Para Todos) 219 mil pontos de famílias sem nenhum acesso à energia elétrica em toda região amazônica. A estimativa é que mais de um milhão de pessoas ainda vivam sem luz no país.

Ocorre que em toda conta de luz paga no Brasil há a cobrança da taxa CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Não se trata de um percentual ou valor fixo a ser pago, mas funciona da seguinte forma: o governo decide um conjunto de ações e programas que precisam ser financiados, e parte do que o consumidor paga na conta de luz vai para esse fundo. A taxa, aliás, é fundamentada no artigo 1º, inciso 3 da Constituição.

Em 2022, o conjunto de ações e programas do CDE ficou em torno de R$ 30 bilhões. "É bastante [dinheiro] para este universo de famílias, que não é tão grande, se falarmos em níveis de Brasil, mas são pessoas que têm esse direito", explica Joisa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV (Fundação Getulio Vargas). "A gente tem todas as condições de sair deste problema. A chave está exatamente em atribuir um papel para o distribuidor como prestação de serviço local", sugere.


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O intuito do programa Mais Luz Para a Amazônia é justamente erradicar esse número, instalando placas de energia solar "off-grid" (que não têm acesso à rede de transmissão) na casa de pessoas que vivem em regiões remotas, onde a principal dificuldade é a chegada das linhas de transmissão. Desta forma, os usuários se tornam clientes das distribuidoras dos estados (a maior parte usuária da tarifa social, que isenta pagamento na conta de luz, dependendo do consumo). "Para o bem ou para o mal, o serviço de energia elétrica fica a cargo da distribuidora. Ou seja, se há um problema, é responsabilidade da distribuidora arrumar", diz Dutra. O prazo é de que a meta seja cumprida até 2030.

Desta água não beberei

No caso do saneamento básico, a regulamentação fica a cargo do município. Ou seja, não existe jurisdição compartilhada e a distribuição de investimentos é feita de forma local, como no caso da energia elétrica, mas não são raras as vezes em que o município alega não ter dinheiro para realização das obras.

Dos 5.568 municípios brasileiros, 1.100 alegaram impossibilidade de universalizar o saneamento básico por não falta de verba, segundo estudo da organização da sociedade civil Trata Brasil. A região Norte, embora tenha abundância de água, é a localidade onde mais pessoas vivem sem saneamento.

Enquanto São Paulo investe em torno de R$ 116 por ano por habitante, o Acre investe em torno de R$ 11 por habitante em obras do tipo. Sancionado em 2020, o novo Marco Legal do Saneamento veio para tentar driblar estes desafios.

A meta do Marco Legal é ter 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgotos até 2033. Para tanto, ampliou-se a regionalização, com possibilidade de entrada de investimentos da iniciativa privada e órgãos estaduais.

"[Agora, com o Marco Legal] Os estados têm de criar blocos regionais para buscar investimentos. A competência continua sendo do município, mas a regionalização traz viabilidade financeira", afirma Luana Pretto, presidente-executiva da Trata Brasil.


Jadilene de Melo Ferreira, 19, mora na Ilha do Marajó (PA) e não tem acesso à luz nem à rede de esgoto. Imagem por Juliana Faddul/UOL. Brasil, 2023.

Como vivem e se alimentam

Para poder se alimentar, a ribeirinha Jadilene de Melo Ferreira, 19, moradora de Breves, na Ilha do Marajó (PA), precisa orquestrar toda uma logística.

Como não há supermercado ou taberna (como os ribeirinhos chamam pequenos comércios) na parte onde ela vive, é necessário colher açaí, mandioca ou milho e pescar ou caçar preguiças, macacos ou antas. A comida tem de ser consumida rápido, já que não há qualquer sistema de refrigeração. "Conservamos [a comida] no sal, mesmo. Tem que retalhar a carne e salgar bastante para durar bem", explica.

Na casa existe um gerador a diesel que liga alguns pontos de luz, mas o equipamento está sem utilidade há pouco mais de um ano. Devido ao uso incorreto a máquina quebrou e, sem dinheiro para o conserto, a família vive sem luz. "Nós fazemos lamparina aqui. Usamos lata de conserva, enchemos de terra, colocamos breu em cima e passamos um fio de barbante", explica Jadilene.

A casa onde vivem onze pessoas também não possui banheiro ou acesso a água potável. Banham-se no rio e cozinham com a água de lá. "Às vezes fervemos antes de preparar algum alimento. E fazemos nossas necessidades mais pra dentro da mata", diz.

O Pará é o estado com mais pessoas vivendo na escuridão (153 mil famílias das 219 mil mapeadas pelo programa Mais Luz Para a Amazônia) e com a maior parcela da população sem coleta de esgoto (92,2%, segundo dados do Trata Brasil).


Açaí da Ilha do Marajó (PA). Imagem por Juliana Faddul/UOL. Brasil, 2023.

E o resto?

Não é só por pagar a conta desse investimento que interessa às demais regiões do país resolver a infraestrutura no Norte. As chuvas que abastecem rios e favorecem a agricultura, em boa parte do país, estão diretamente ligadas à Amazônia, devido à existência dos "rios voadores" (espécie de correntes de ar invisíveis formados por massas de ar carregadas de vapor de água, muitas vezes acompanhados por nuvens, e são propelidos pelos ventos), que levam umidade da floresta para o Centro-Oeste, o Sudeste e o Sul.

Desde o abastecimento de água para uso da população até manejo da agricultura, qualquer irregularidade nos períodos de chuva pode causar.

Há também a riqueza dentro da floresta. De acordo com o projeto Amazônia 4.0, é mais rentável manter uma área biodiversa com cultivo de açaí manejado (cerca de US$ 1,5 mil por hectare) que plantando soja (US$ 200 por hectare). Em português claro: é quase cinco vezes mais lucrativo o cultivo do açaí (algo que é intrínseco da floresta) que o desmatamento desenfreado para plantação de soja.

O açaí é apenas um produto que sai em vantagem em comparação a soja, mas o hub Amazônia 2030 levantou, entre 2017 e 2019, 64 produtos classificados como "compatíveis com a floresta". A receita anual dessa soma? Algo em torno de 298 milhões de dólares.

"O Brasil tem potencial para ser líder na transição para uma economia verde, e a Amazônia tem papel fundamental. Mas, para isso, é urgente combater o desmatamento ilegal, já que ele é responsável por quase metade das emissões de gases do efeito estufa no país", diz Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável.

A imagem do Brasil no exterior é uma das grandes preocupações do mercado, afinal, uma má reputação significa menos investimentos. Hoje, a perda de biodiversidade é considerada o terceiro principal risco global pelo Fórum Econômico Mundial. "Mais da metade da produção econômica mundial, cerca de US$ 44 trilhões por ano, é moderada ou altamente dependente dela, o que traz nítidos riscos para a geração de empregos e renda" explica Grossi. "Se isso não é queimar dinheiro, o que mais pode ser?".

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